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Fascículo 02 | O Conflito de Luz e Sombra




Os habitantes de Egécia sabem instintivamente que a estrutura de sua sociedade existe. É um conhecimento popular, passado de geração em geração por vários séculos, desde o grande impacto. O que eles não conhecem são os planos do universo, e como os seis sentimentos essenciais estão tão presentes em suas vidas.

A percepção mais clara é a da divisão de castas. Aqueles no topo detêm o poder, a sabedoria, as terras e, quanto mais se desce a montanha, menor é a influência e autoridade das diversas criaturas que vivem nas encostas íngremes deste mundo.

Curiosamente, por mais que sejam de uma raça antiga e nobre, os Hex são extremamente reclusos e raramente se encontram próximos dos topos das montanhas. Tanto os Hex iluminados quanto os sombrios não se sentem à vontade estando tão perto do sol e da lua. São criaturas misteriosas, angelicais, e, muitas vezes, sua fisionomia causa tamanho espanto que seus espectadores desmaiam. São vistos tão eventualmente, que possuem um status quase lendário, não fossem suas breves aparições em momentos de crise, como agora.

Winifred, a mando de Etah, saiu da sala do Chapéu de Atividades um pouco fraca, mas com sua missão cumprida. Três Hex haviam sido convocados, um de cada montanha, era só aguardar.

Retornando ao grande salão onde Etah e suas irmãs se encontravam, anunciou o êxito de sua missão apenas com um sinal de cabeça em direção à soberana.

— Quando chegarão aqui, Winifred? — Etah perguntou com sua voz grave, sem demonstrar emoção.

— Considerando que são seres alados, acredito que em quatro dias estejam todos aqui — respondeu a bruxa, prontamente.

Etah, sentada em sua sumptuosa cadeira no fundo do salão, apenas colocou a mão de pele azulada e pálida abaixo do queixo e ficou remoendo a resposta, pensativa, por alguns minutos, até que…

— Preciso subir a torre. Winifred, Sarah, Mary… vão para os seus aposentos. Voltaremos a falar quando os Hex estiverem aqui.

As irmãs curiosas se entreolharam, levantaram e saíram do salão de imediato. Ao passarem pela grande porta e se distanciarem dos soldados que a guardavam, começaram a especular:

— O que ela faz no topo daquela torre? — Sarah perguntou, inquieta.

— Faz alguns meses que ela vem subindo diversas vezes… e fica horas lá! — Mary retrucou.

Para encerrar a fofoca de suas irmãs, antes que teorizassem mais conspirações, Winifred disse:

— Eu não sei… mas de uma coisa tenho certeza. Nós sabemos exatamente o que deveríamos saber neste momento. Guardem seus pensamentos para si mesmas.

As três foram para seus respectivos cômodos no castelo; ainda tinham alguns dias antes da chegada dos Hex para realizarem suas atividades cotidianas sem preocupação, por mais que Winifred pudesse sentir que suas ações já estavam emanando consequências para além do lar dos Sacmis.

A Montanha do Norte era também, em seu lado iluminado, casa do Draco Evol Rohtah, o Soberano do Sonho Antigo. Como os dois lados de uma moeda, ambas as encostas eram parte de um todo e estavam intrinsecamente conectadas. Os movimentos que Etah começara a articular, através de Winifred e da convocação dos Hex, já produziam um efeito capaz de ser percebido por aqueles com uma intuição mais apurada.

Com quase três séculos, Evol vivenciou muitos anos de prosperidade, mas também presenciou muitas batalhas. Para o bem ou para o mal, na atualidade já não são mais tão constantes nem tão severas quanto no passado. O soberano participou ativamente na última grande guerra de sua época, há mais de 200 anos, quando ainda era “jovem”, como Etah é agora. O Conflito de Luz e Sombra, como é chamado, foi um verdadeiro derramamento de sangue. Milhares e milhares de criaturas, de todas as encostas, perderam suas vidas e algumas raças foram dizimadas quase que totalmente. 

A causa do Conflito de Luz e Sombra ainda é, mesmo nos dias de hoje, um tema polêmico para os Egecianos; originou-se de uma das profecias de Poimandres, que dizia que um Humano nasceria na divisa exata entre o lado iluminado e o lado escuro da Montanha do Norte. Este Humano seria o responsável por trazer equilíbrio para Egécia, unificando ambos os lados nas três grandes montanhas.

A profecia gerou discussões religiosas, territoriais e raciais, mas resumiu-se em uma aliança dos lados iluminados defendendo sua veracidade e que este Humano deveria ser encontrado e protegido, contra os lados escuros que, apesar de serem tementes a Poimandres, estavam convencidos que este ponto específico das escrituras havia sido fabricado por alguma figura do alto escalão no lado iluminado, e se alguém tentasse se passar por este ser predestinado, deveria ser imediatamente eliminado.

Após décadas de infindáveis batalhas, o conflito foi perdendo seu sentido e, naturalmente, as coisas foram se assentando. Evol perdeu sua visão em decorrência de seus ferimentos, mas como descendente da família Rohtah e guerreiro nato, apoiou seu lado e buscou, mesmo cego, por anos e anos o indivíduo profético, sem sucesso. Com o grande número de Humanos mortos nesta guerra, deduziu que o predestinado poderia ter perecido, apesar dos lados escuros não divulgarem nenhuma informação específica sobre o assunto. Mesmo sendo muito obstinado, Evol não tinha a esperança naturalmente aflorada e, por fim, desistiu.

Atualmente, de fato com menor relevância, o tema ainda gera discussões acaloradas e brigas nas tavernas das montanhas, principalmente entre os mais antigos. Mas a realidade é que Egécia não vive tempos de glória. Crimes, mortes, desavenças… A paz já não reina desde a juventude do Soberano do Sonho Antigo, que possui um forte anseio de mudança.

Mexido pela intuição, Evol subiu na torre frontal de seu castelo e, mirando as montanhas irmãs e o grande vale escuro em sua frente, proclamou:

— Senhor… já faz mais de um século que não ouço a sua voz. Estou perdido… Podes me ajudar?

Depois de um breve instante:

— Sim, estava aguardando este momento — disse a mesma voz calma e poderosa que conversava com Etah.

— Eu sinto que algo grande está para acontecer… mas não sei dizer o quê.

— Etah planeja atacar os lados iluminados.

O coração de Evol disparou. Pego de surpresa, ponderou alguns segundos antes de replicar qualquer coisa; precisava ser muito direto pois, por mais que acreditasse que seu guia ouvisse todas suas orações, a verbalização de uma resposta concreta era rara e preciosa.

— Senhor… quem está correto? — indagou Evol, sem ter certeza de que ouviria algo em retorno. Passaram-se alguns minutos e, já de costas para o vale, ele ouviu:

— O ser vive.

Como um choque, o corpo de Evol se encheu de energia com o que acabara de ouvir. Sabia que não ouviria mais nada hoje e, com ajuda de seu cajado, desceu as escadarias da torre com passos determinados. O sol adentrava os vitrais cheios de cor que acompanhavam o contorno da torre e, por mais que não pudesse vê-los, podia sentir que estavam mais brilhantes hoje.

Em seu grande salão comunal, sem perder tempo requisitou aos empregados do castelo a presença de Sahafi, o escritor que vive no lar dos Rohtah. O jovem Humano, protegido de Evol, desde criança mora no castelo, onde foi abandonado. A bondade do soberano, sempre guiada por suas crenças, fez com que adotasse o menino e o criasse quase que como um filho, inclusive gerando certo ciúmes por parte dos descendentes de sangue de Evol.

— Sahafi, meu filho, preciso que você redija um comunicado oficial para mim.

— É claro, senhor! Quais informações preciso dispor neste comunicado?

— Vamos começar pelo título… “O Ser Vive”.

 
 
 

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